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sábado, 26 de novembro de 2022
sábado, 14 de abril de 2018
Código de Menores x ECA: Mudanças de Paradigmas
Lembrando o início da década de 90, veremos um período em que as
organizações sociais, o MNMMR e vários profissionais engajados na luta
pelos direitos da criança, comemorarem conquistas. A inclusão desses
direitos na Constituição Federal Brasileira (1988) e a promulgação do
ECA (1990). Quem pôde presenciar (mesmo que em filme , como eu) a
participação de crianças e adolescentes num voto simbólico que ocorreu
na Câmara Federal, dizendo sim ao ECA, sabe o quanto essa experiência
foi gratificante.
Já refletindo sobre as mudanças entre o Código de Menores e o ECA, podemos afirmar que o ECA foi elaborado com a participação dos movimentos sociais. O caráter participativo deste processo é uma primeira e importante diferença. O protagonismo da sociedade se impõe pela expressão de seus interesses. É a democracia, também recentemente conquistada, se revelando pela prática da participação popular. É a proposição de nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação às suas crianças e adolescentes.
Uma segunda mudança que merece destaque é o caráter universal dos direitos conferidos. Reside no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania independentemente da classe social (Pino, 1990). Enquanto o antigo CM destinava-se somente àqueles em “situação irregular” ou inadaptados, a nova Lei diz que TODAS as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Eis, no meu ponto de vista, uma mudança de paradigma.
No Código, havia um caráter discriminatório, que associava a pobreza à “delinquência”, encobrindo as reais causas das dificuldades vividas por esse público, a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Essa inferiorização das classes populares continha a idéia de norma, à qual todos deveriam se enquadrar. Como se os mais pobres tivessem um comportamento desviante e uma certa “tendência natural à desordem”. Portanto, inaptos a conviver em sociedade. Natural que fossem condenados à segregação. Os meninos que pertenciam a esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou abandonados” eram, na verdade, vítimas da falta de proteção. Mas, a norma lhes impunha vigilância.
Além disso, o antigo Código funcionava como instrumento de controle, transferindo para o Estado a tutela dos “menores inadapatados” e assim, justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrário, o ECA serve como instrumento de exigibilidade de direitos àqueles que estão vulnerabilizados pela sua violação.
O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como simples portadores de carências (Costa,1990), despersonaliza o fenômeno, e principalmente, responsabiliza toda sociedade pela criação das condições necessárias ao cumprimento do novo direito.
Isso não significa negar a relação de dependência das crianças aos adultos e nem a responsabilidade que os últimos têm quanto ao desenvolvimento dos primeiros. Contudo, significa impedir a ocorrência daquilo que, nesta relação, traz a marca do autoritarismo, da violência e do sofrimento (Teixeira, 1991). Ao assumir que a criança e o adolescente são “pessoas em desenvolvimento”, a nova Lei deixa de responsabilizar algumas crianças pela irresponsabilidade dos adultos. Agora, são TODOS os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos seus atos em relação às TODAS as crianças e aos adolescentes.
A mudança na referência nominal também contém uma diferença de paradigma. A expressão “menor” é substituída por “criança ou adolescente” para negar o conceito de incapacidade na infância. O conceito de infância ligado à expressão “menoridade” contém em si a idéia de não ter. Ser “menor” significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades, não ter atingido um estágio de plenitude e não ter, inclusive, direitos (Volpi, 2000). O paradigma evolucionista aqui revelado, fundamentava a teoria de desenvolvimento infantil desenvolvida a partir das competências específicas dos adultos.
Com a formulação do ECA, inicia-se um debate para compreender as competências e capacidades da população infanto-juvenil. O paradigma muda, os menores passam a ser denominados crianças e adolescentes em situação peculiar de desenvolvimento. As crianças e adolescentes passam a ser vistos pelo seu presente, pelas possibilidades que têm nessa idade e não pelo futuro, pela esperança do que virão a ser. Isto significa trazer à tona a positividade do conceito de infância, que é marcada pela PROVISORIEDADE E SINGULARIDADE. Uma constante metamorfose. Um ser que é processual.
Insisto na idéia da SINGULARIDADE vivida pelas crianças e adolescentes. São seres sócio-históricos que não apenas reagem às determinações sociais, mas são também SUJEITOS de ações. Participam de um momento histórico em que criam e transformam sua existência, a partir de suas experiências cotidianas, que são vividas de forma singular.
Neste sentido, o que define a adolescência não é uma crise inerente à uma idade. Nem uma essência biológica universal. É um conjunto de características, que inscreve uma qualidade de pensamento que é diferente na infância e na idade considerada adulta. Uma qualidade de pensamento que possibilita a reflexão sobre os significados e sentidos de seus interesses.
Ressalto com isso, que a adolescência não pode ser considerada como uma fase propícia à transgressão. A atuação do adolescente depende das relações que ele vive e das que ele conhece no meio social. Ele atribui SENTIDOS a estas vivências e estes vão servir como parâmetros para suas futuras relações. Sabemos que quanto mais amplo e diversificado for o universo cultural do indivíduo, maior a possibilidade de seu desenvolvimento, conhecimento do mundo, de seus próprios interesses e de sua capacidade de criação.
Não podemos encarar as crises vividas na adolescência como patológicas e nem criar um modelo único de adolescência. Algumas concepções de adolescência negam os aspectos culturais e políticos. Descontextualizam a adolescência, criando estereótipos que impedem a compreensão mais ampla deste fenômeno. Aí veremos as crises como desarranjos, já que a harmonia é “pressuposto natural” (Vygotsky, 1998). O desenvolvimento de um indivíduo não é movido pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Essas contradições são próprias do desenvolvimento humano em qualquer momento da vida, não se limitam à adolescência. Esta forma de compreensão deve afastar a idéia de transgressão ligada à adolescência. Se pensarmos a adolescência como fenômeno psicossocial, não devemos considerá-los como potenciais agressores.
A forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas para seu desenvolvimento. Vai depender do respeito ao seu direito de sobreviver, da garantia de sua integridade física, psicológica e moral.
Neste ponto, o ECA propõe um reordenamento institucional. Rompe com práticas fundadas na filantropia ou caridade (Pino, 1990) e institui uma nova ordem onde os direitos das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. Responsabilidades pela criação e implementação das políticas sociais relativas a esses direitos.
Neste campo, o Estatuto introduz um elemento novo que é a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares. Elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento, os conselhos também são espaços de participação da sociedade organizada. Governo e sociedade, juntos, assumem responsabilidade pela formulação e controle das ações relativas aos direitos da Criança e do Adolescente.
Apesar das importantes mudanças de paradigma, sabemos que, olhando para a prática, o saldo destes 12 anos não é muito positivo. Sejamos mais claros/as: o ECA não foi implementado. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas, infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente.
Destacamos aqui, o atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. O próprio Ministério da Justiça fez, em 1997, um levantamento nacional do atendimento às medidas sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, Teixeira, 2002).
No caso da privação de liberdade aqui em São Paulo, o problema está na persistência de uma prática repressiva e no descumprimento das garantias e prerrogativas legais. Estamos há doze anos transcorridos da promulgação do ECA e ainda não foram realizadas, na Febem Paulista, as necessárias adequações à nova legislação. Num rápido panorama deste quadro, vemos a omissão das autoridades responsáveis e a “preferência” pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos em que caberiam medidas sócio-educativas em meio aberto . Também é fato que os adolescentes autores de ato infracional que estão privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica da “Tranca e couro” , quer dizer, estão sendo TORTURADOS cotidianamente.
As inúmeras rebeliões são um duro emblema da negligência aos direitos conquistados com a nova legislação, dita aliás, pelos próprios adolescentes que encontram-se encarcerados. No último sábado(13/07/02), assistimos a mais uma: Franco da Rocha com a entrada da Tropa de Choque para contê-la.
A desumanidade e crueldade vão desnudando variadas formas e métodos de humilhação e agressão. A imagem vinda do relato de adolescentes que apanham com ferros/tacos que trazem inscritas as palavras Direitos Humanos e ECA , entre outras, é o próprio retrato/desenho esculpido do reverso da lei.
Vemos ainda, projetos retrógrados de propostas de redução da idade de imputabilidade penal, além do discurso de pessoas que acreditam ainda que o ECA serve apenas para encobrir atos delituosos de adolescentes, protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Aqui temos também um outro problema , o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA.
Mas como nos mostra Chauí (1994):
“Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais -justiça, igualdade, veracidade, generosidade, coragem, amizade, direito à felicidade – e, no entanto, impede a concretização deles porque está organizada e estruturada de modo a impedi-los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca de brechas pelas quais possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade, que concretize no real aquilo que a nossa propõe no ideal…O terceiro momento é o da nossa decisão de agir e da escolha dos meios para a ação. O último momento da liberdade é a realização da ação para transformar um possível num real, uma possibilidade numa realidade”(Chauí, p.365).
E essas últimas tarefas, se fazem, para nós, muito urgentes… não temos mais tempo a perder.
É preciso comemorar os doze anos do ECA, com a certeza, de que, se ainda não conseguimos implementá-lo, buscamos caminhos. É preciso ousar sonhar e ousar transformar. É necessário uma maior e melhor organização de todos os setores da sociedade com a força e felicidade humanas, compartilhando a idéia de que a diferença e o outro são importantes para o desenvolvimento de cada um de nós…A lei já nos fortalece…
Referências bibliográficas
COSTA, A.C.G.da O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do EFA – Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1- Unicef, 1990.
PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. A propósito do “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, n.36, p.61-79, ago., 1990.
TEIXIEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente e a questão do delito. Cadernos Populares/n.3, Sitraemfa, 1991.
TEIXIEIRA, M.L.T. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. . Tese (Doutorado). Serviço Social, PUC/SP.
VOLPI, M.(UNICEF) I Encontro Estadual de Educação Social na rua. São Paulo, jul,2000 (Palestra).
VYGOTSKY,L.S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ªed., 1998.
Ana Silvia Ariza de Souza é psicóloga e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP
Publicado em 20/04/2004 no www.promenino.org,br
Já refletindo sobre as mudanças entre o Código de Menores e o ECA, podemos afirmar que o ECA foi elaborado com a participação dos movimentos sociais. O caráter participativo deste processo é uma primeira e importante diferença. O protagonismo da sociedade se impõe pela expressão de seus interesses. É a democracia, também recentemente conquistada, se revelando pela prática da participação popular. É a proposição de nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação às suas crianças e adolescentes.
Uma segunda mudança que merece destaque é o caráter universal dos direitos conferidos. Reside no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania independentemente da classe social (Pino, 1990). Enquanto o antigo CM destinava-se somente àqueles em “situação irregular” ou inadaptados, a nova Lei diz que TODAS as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Eis, no meu ponto de vista, uma mudança de paradigma.
No Código, havia um caráter discriminatório, que associava a pobreza à “delinquência”, encobrindo as reais causas das dificuldades vividas por esse público, a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Essa inferiorização das classes populares continha a idéia de norma, à qual todos deveriam se enquadrar. Como se os mais pobres tivessem um comportamento desviante e uma certa “tendência natural à desordem”. Portanto, inaptos a conviver em sociedade. Natural que fossem condenados à segregação. Os meninos que pertenciam a esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou abandonados” eram, na verdade, vítimas da falta de proteção. Mas, a norma lhes impunha vigilância.
Além disso, o antigo Código funcionava como instrumento de controle, transferindo para o Estado a tutela dos “menores inadapatados” e assim, justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrário, o ECA serve como instrumento de exigibilidade de direitos àqueles que estão vulnerabilizados pela sua violação.
O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como simples portadores de carências (Costa,1990), despersonaliza o fenômeno, e principalmente, responsabiliza toda sociedade pela criação das condições necessárias ao cumprimento do novo direito.
Isso não significa negar a relação de dependência das crianças aos adultos e nem a responsabilidade que os últimos têm quanto ao desenvolvimento dos primeiros. Contudo, significa impedir a ocorrência daquilo que, nesta relação, traz a marca do autoritarismo, da violência e do sofrimento (Teixeira, 1991). Ao assumir que a criança e o adolescente são “pessoas em desenvolvimento”, a nova Lei deixa de responsabilizar algumas crianças pela irresponsabilidade dos adultos. Agora, são TODOS os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos seus atos em relação às TODAS as crianças e aos adolescentes.
A mudança na referência nominal também contém uma diferença de paradigma. A expressão “menor” é substituída por “criança ou adolescente” para negar o conceito de incapacidade na infância. O conceito de infância ligado à expressão “menoridade” contém em si a idéia de não ter. Ser “menor” significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades, não ter atingido um estágio de plenitude e não ter, inclusive, direitos (Volpi, 2000). O paradigma evolucionista aqui revelado, fundamentava a teoria de desenvolvimento infantil desenvolvida a partir das competências específicas dos adultos.
Com a formulação do ECA, inicia-se um debate para compreender as competências e capacidades da população infanto-juvenil. O paradigma muda, os menores passam a ser denominados crianças e adolescentes em situação peculiar de desenvolvimento. As crianças e adolescentes passam a ser vistos pelo seu presente, pelas possibilidades que têm nessa idade e não pelo futuro, pela esperança do que virão a ser. Isto significa trazer à tona a positividade do conceito de infância, que é marcada pela PROVISORIEDADE E SINGULARIDADE. Uma constante metamorfose. Um ser que é processual.
Insisto na idéia da SINGULARIDADE vivida pelas crianças e adolescentes. São seres sócio-históricos que não apenas reagem às determinações sociais, mas são também SUJEITOS de ações. Participam de um momento histórico em que criam e transformam sua existência, a partir de suas experiências cotidianas, que são vividas de forma singular.
Neste sentido, o que define a adolescência não é uma crise inerente à uma idade. Nem uma essência biológica universal. É um conjunto de características, que inscreve uma qualidade de pensamento que é diferente na infância e na idade considerada adulta. Uma qualidade de pensamento que possibilita a reflexão sobre os significados e sentidos de seus interesses.
Ressalto com isso, que a adolescência não pode ser considerada como uma fase propícia à transgressão. A atuação do adolescente depende das relações que ele vive e das que ele conhece no meio social. Ele atribui SENTIDOS a estas vivências e estes vão servir como parâmetros para suas futuras relações. Sabemos que quanto mais amplo e diversificado for o universo cultural do indivíduo, maior a possibilidade de seu desenvolvimento, conhecimento do mundo, de seus próprios interesses e de sua capacidade de criação.
Não podemos encarar as crises vividas na adolescência como patológicas e nem criar um modelo único de adolescência. Algumas concepções de adolescência negam os aspectos culturais e políticos. Descontextualizam a adolescência, criando estereótipos que impedem a compreensão mais ampla deste fenômeno. Aí veremos as crises como desarranjos, já que a harmonia é “pressuposto natural” (Vygotsky, 1998). O desenvolvimento de um indivíduo não é movido pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Essas contradições são próprias do desenvolvimento humano em qualquer momento da vida, não se limitam à adolescência. Esta forma de compreensão deve afastar a idéia de transgressão ligada à adolescência. Se pensarmos a adolescência como fenômeno psicossocial, não devemos considerá-los como potenciais agressores.
A forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas para seu desenvolvimento. Vai depender do respeito ao seu direito de sobreviver, da garantia de sua integridade física, psicológica e moral.
Neste ponto, o ECA propõe um reordenamento institucional. Rompe com práticas fundadas na filantropia ou caridade (Pino, 1990) e institui uma nova ordem onde os direitos das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. Responsabilidades pela criação e implementação das políticas sociais relativas a esses direitos.
Neste campo, o Estatuto introduz um elemento novo que é a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares. Elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento, os conselhos também são espaços de participação da sociedade organizada. Governo e sociedade, juntos, assumem responsabilidade pela formulação e controle das ações relativas aos direitos da Criança e do Adolescente.
Apesar das importantes mudanças de paradigma, sabemos que, olhando para a prática, o saldo destes 12 anos não é muito positivo. Sejamos mais claros/as: o ECA não foi implementado. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas, infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente.
Destacamos aqui, o atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. O próprio Ministério da Justiça fez, em 1997, um levantamento nacional do atendimento às medidas sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, Teixeira, 2002).
No caso da privação de liberdade aqui em São Paulo, o problema está na persistência de uma prática repressiva e no descumprimento das garantias e prerrogativas legais. Estamos há doze anos transcorridos da promulgação do ECA e ainda não foram realizadas, na Febem Paulista, as necessárias adequações à nova legislação. Num rápido panorama deste quadro, vemos a omissão das autoridades responsáveis e a “preferência” pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos em que caberiam medidas sócio-educativas em meio aberto . Também é fato que os adolescentes autores de ato infracional que estão privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica da “Tranca e couro” , quer dizer, estão sendo TORTURADOS cotidianamente.
As inúmeras rebeliões são um duro emblema da negligência aos direitos conquistados com a nova legislação, dita aliás, pelos próprios adolescentes que encontram-se encarcerados. No último sábado(13/07/02), assistimos a mais uma: Franco da Rocha com a entrada da Tropa de Choque para contê-la.
A desumanidade e crueldade vão desnudando variadas formas e métodos de humilhação e agressão. A imagem vinda do relato de adolescentes que apanham com ferros/tacos que trazem inscritas as palavras Direitos Humanos e ECA , entre outras, é o próprio retrato/desenho esculpido do reverso da lei.
Vemos ainda, projetos retrógrados de propostas de redução da idade de imputabilidade penal, além do discurso de pessoas que acreditam ainda que o ECA serve apenas para encobrir atos delituosos de adolescentes, protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Aqui temos também um outro problema , o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA.
Mas como nos mostra Chauí (1994):
“Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais -justiça, igualdade, veracidade, generosidade, coragem, amizade, direito à felicidade – e, no entanto, impede a concretização deles porque está organizada e estruturada de modo a impedi-los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca de brechas pelas quais possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade, que concretize no real aquilo que a nossa propõe no ideal…O terceiro momento é o da nossa decisão de agir e da escolha dos meios para a ação. O último momento da liberdade é a realização da ação para transformar um possível num real, uma possibilidade numa realidade”(Chauí, p.365).
E essas últimas tarefas, se fazem, para nós, muito urgentes… não temos mais tempo a perder.
É preciso comemorar os doze anos do ECA, com a certeza, de que, se ainda não conseguimos implementá-lo, buscamos caminhos. É preciso ousar sonhar e ousar transformar. É necessário uma maior e melhor organização de todos os setores da sociedade com a força e felicidade humanas, compartilhando a idéia de que a diferença e o outro são importantes para o desenvolvimento de cada um de nós…A lei já nos fortalece…
Referências bibliográficas
COSTA, A.C.G.da O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do EFA – Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1- Unicef, 1990.
PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. A propósito do “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, n.36, p.61-79, ago., 1990.
TEIXIEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente e a questão do delito. Cadernos Populares/n.3, Sitraemfa, 1991.
TEIXIEIRA, M.L.T. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. . Tese (Doutorado). Serviço Social, PUC/SP.
VOLPI, M.(UNICEF) I Encontro Estadual de Educação Social na rua. São Paulo, jul,2000 (Palestra).
VYGOTSKY,L.S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ªed., 1998.
Ana Silvia Ariza de Souza é psicóloga e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP
Publicado em 20/04/2004 no www.promenino.org,br
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
Dica de Leitura: Carvão - Tema: exploração do trabalho infantojuvenil - Gênero: Ficção
Carvão não é apenas uma simples dica de leitura é um dever de todos que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos lerem, principalmente os conselheiros tutelares.
Eu tive a honra de conhecer no VI Encontro da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado do Ceara, em Fortaleza-CE, o Escritor Flávio Morais autor da obra Carvão, uma pessoa simples que dispensa comentários longos, pois é necessário conhecê-lo ou conhecer suas obras literárias para melhor falar dessa grande alma.
O Dr. Flávio Morais é Juiz de Direito e graduado em Letras, contando no
histórico das publicações prêmios literários de destaque. Vista a
qualidade dos seus trabalhos, mereceu, em 2007, seleção para participar
da 44ª. Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil, em Bolonha,
Itália. Em 2010, recebeu o Prêmio Raquel de Queiroz de Literatura
Infantil pela obra Daniel Alecrim e o Talismã de Ébano.
O desenrolar dessa narrativa, em voltagem crescente de emocionalidade e
sentimento, conduzirá aos impasses trágicos da violência, em meio às
limitações daquele universo restrito de esperanças. Preços elevados, os
protagonistas obtêm o êxito libertador, contudo sofrem a perda de amigos
preciosos e queridos.
Eis um livro por demais objetivo no sentido da denúncia, marco nas
letras juvenis, suprindo lacunas inclusive nos catálogos nacionais,
ficção em forma de postulados doutrinários do Direito ao nível do grande
público.
Você pode adquirir Carvão no http://www.allprinteditora.com.br/carvao
Informações do Autor e de sua obra foram extraídas do www.blogdocrato.com
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